quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

ENTREVISTA - José Pacheco, a Escola da Ponte e o Espiritismo


Do Jornal CRÍTICA ESPÍRITA/Nov. 2018
Clique AQUI para ler o jornal completo e a entrevista na íntegra

Reproduzimos a seguir trechos da entrevista exclusiva que os responsáveis pelo jornal Crítica Espírita conseguiram com o Professor José Pacheco, educador português, idealizador e fundador da Escola da Ponte, em Portugal. "Autor da coluna Entretanto, da Revista Educação (Ed. Segmento), José Pacheco conversou conosco sobre educação e espiritismo. Que sua obra e visão possa inspirar os educadores em geral, e os espíritas em particular, pois, se há uma bandeira sob a qual estes deve se reunir e lutar, essa bandeira é a da educação pública, de qualidade e emancipadora"

Crítica Espírita- Professor, diante de sua extensa produção acadêmica, poderia resumir quais são as suas ideias essenciais sobre a educação?
José Pacheco- Há mais de cem anos, Almada Negreiros escreveu: Quando eu nasci, todos os tratados que visavam salvar o mundo, já estavam escritos. Só faltava salvar o mundo. As minhas ideias sobre educação não são minhas, são as de muitos educadores que, desde há muito tempo, anunciaram a possibilidade de uma nova educação. São ideias na prática, práxis. Sempre trabalhei no chão da escola, onde foram introduzidas diferentes correntes pedagógicas. Hoje, após passar pelo ideário subjacente ao paradigma instrucionista e ao paradigma da aprendizagem, tenho como referência o que poderemos chamar paradigma da comunicação. Aprendemos uns com os outros mediados pelo mundo...

CE- Como surgiu-lhe a inspiração de tocar um projeto de educação que resultaria na Escola da Ponte?
José Pacheco- Na Escola da Ponte, a decisão de mudar foi de origem ética. Encontrei jovens analfabetos, que tinham sido ensinados do modo que eu antes ensinava. Se eu continuasse a trabalhar do modo como, até então, havia trabalhado, aqueles jovens continuariam sem saber ler. Tomei consciência de que, dando aula, eu não conseguiria ensiná-los. Na época, nem da existência de um Piaget tínhamos conhecimento. Agimos por intuição pedagógica, movidos pelo amor que tínhamos (como qualquer professor tem) pelos alunos.

Escola da Ponte - Portugal
CE- Para quem está acostumado com a educação tradicional, pode parecer utópica uma educação sem turmas, sem provas, sem reprovações e focada na autonomia do aluno. Diante disso, pode explicar como funciona a Escola da Ponte?
José Pacheco - Na Ponte de há mais de quarenta anos, as salas de aula foram substituídas por espaços de “área aberta”. Depois, deram lugar a aprendizagens em múltiplos espaços sociais (edifício da escola incluído...), num anúncio da possibilidade de conceber novas construções sociais de aprendizagem. No edifício da escola, nas praças, nas empresas, nas igrejas, nas bibliotecas públicas, e centros culturais, passamos a contemplar um novo modo de desenvolvimento curricular, duas vias complementares de um mesmo projeto: um currículo subjetivo, nem projeto de vida pessoal, a partir de talentos cedo revelados; um currículo de comunidade, baseado em necessidades, desejos da sociedade do entorno. São muitos e diversos os caminhos de mudança, sendo urgente que os educadores compreendam o que significa o termo “currículo”. Que, por exemplo, os professores não percam tempo a tentar ensinar fora de tempo o que é um “dígrafo”, ou expressões como “sujeito nulo subentendido”, o que são “plantas epífitas”, ou em que consiste um “ato ilocutório diretivo”? Quando fui aluno de escola “tradicional”, gastei um tempo precioso a decorar os afluentes da margem esquerda de rios e de outras lengalengas que, agora, me ocupam a memória de longo prazo. Não me fizeram mais sábio, nem mais feliz. É preciso experimentar um novo modo de organização, em equipes de pessoas autônomas e responsáveis, todas cuidando de si mesmas e de todo o resto, numa escola realmente “pública”. Não negando o potencial da razão e da reflexão, juntar-lhe as emoções, os sentimentos, as intuições e as experiências de vida. E uma escuta que, para além do seu significado metodológico, terá de ser humanamente significativa e de assentar numa deontologia de troca “ganha-ganha”. Que se perceba que toda a prática tem teoria subjacente, que não há prática sem teoria. E que a fundamentação teórica do ato de educar seja multirreferencial, em práxis coerentes com necessidades educativas locais, escapando a modas e fundamentalismos pedagógicos. Que a aprendizagem não está centrada no professor, nem no aluno, mas na relação. E que da qualidade da relação depende uma boa qualidade educacional. As escolas poderão desenvolver um currículo mais adequado às novas competências e exigências do século XXI. A velha escola há de parir uma nova educação. Mas as dores do parto serão intensas, enquanto as “naturalizações”, as “certezas”, as crenças ministeriais, a tecnocracia e a burocracia continuarem a prevalecer em domínios onde deveria prevalecer a pedagogia. Quando modificamos o modo, asseguramos a todos o direito de ser sábio e feliz.

CE- Quais as diferenças que o senhor poderia pontuar entre a educação em Portugal e no Brasil? E o que o Brasil precisa para ter uma educação pública de qualidade? 
José Pacheco- Portugal e Brasil parecem estar irmanados numa deriva educacional sem fim à vista, num tempo que, no futuro, deverá ser conhecido como a proto-história da escola, um tempo em que a educação não prosperou nos bastidores de uma administração educacional burocratizada. As mudanças deverão partir, simultaneamente, das escolas e do poder público. E são precisos muitos anos, para que se consolidem. As mudanças carecem de continuidade e de avaliação. Nos últimos anos, apesar da profusão de tentativas de reforma, programas, projetos, congressos, cursos e afins, não se logrou melhorar a qualidade da educação. Mas o Brasil tem tudo aquilo que precisa. E esse desiderato será alcançado quando as escolas deixarem de estar cativas de um modelo educacional obsoleto e de uma gestão burocratizada, na qual os critérios de natureza administrativa se sobrepõem a critérios de natureza pedagógica.

CE- Numa certa exposição, o senhor comentou que uma das maiores experiências pedagógicas do mundo foi feita por Eurípedes Barsanulfo, em Sacramento. O que ele fez de especial? 
José Pacheco- Alcunharam de elitista o seu labor pedagógico, só porque recorria a métodos dinâmicos de aprendizagem. Os seus alunos praticavam observação e pesquisa na cidade e na natureza. Eurípedes aboliu castigos e exames, num relacionamento baseado no diálogo, ao contrário dos moldes pedagógicos vigentes na época. Acreditava que escola poderia ser agente transformador da sociedade. E nos depoimentos dos seus alunos, apercebemo-nos de que transformou a escola, a partir de um novo conceito de criança e de aprendizagem, da modificação do papel do professor, da reconfiguração dos tempos e espaços pedagógicos, da reorganização escolar, da reelaboração cultural, que antecedeu em mais de cem anos a elaboração do conceito de comunidade de aprendizagem. Mobilizava a comunidade, para que ajudasse as famílias das crianças mais carentes a ir à escola. Havia muitas crianças negras matriculadas e vários professores negros compunham o quadro de professores da sua escola, num tempo em que os discursos racistas, com influências eugenistas, eram comuns e os negros eram marginalizados. No seu colégio, os alunos praticavam Astronomia, o estudo da (e na) Natureza, em aulas-passeios, muito antes de Freinet. Escreveu o seu aluno Germano: conversávamos, estudávamos bons livros e admirávamos a natureza, admirávamos o voo dos insetos, o cantar dos pássaros e de preferência de um sabiá de laranjeira, que vinha pousar nos galhos baixos das árvores e encher o ar com sua melodia, esse era o predileto do professor. Os dias de apresentações de teatro eram dias de festa. Os alunos confeccionavam belos cenários e toda a comunidade participava: Eurípedes incentivava a participação dos alunos em ações sociais e os jovens aprendiam a moral na prática comunitária, aprendiam a pensar e a questionar, como nos diz a Corina: Eurípedes não queria alunos que obedecessem cegamente, mas que aprendessem a criticar, a questionar e a pensar. Substituiu o ensino verbalista pela arte de observar e apreender o mundo.

CE- Allan Kardec era pedagogo e professor, e sempre enfatizou o caráter educador e moralizante do espiritismo. O que o senhor pode dizer sobre essa relação entre educação e espiritismo?
José Pacheco- Apenas que essa é uma das razões porque ajudei espíritas a compor as bases da “pedagogia espírita”. Nela, o “educare” se concretiza. Os talentos são “extraídos”, o ser divino se manifesta...

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Espiritualidade de idolatria e submissão


Por Dora Incontri no Blog da ABPE

Não podemos nos omitir diante dessa grave denúncia e que vai alcançando em poucos dias, o número de dezenas, em relação ao renomado médium (que nunca foi espírita, mas isso tanto faz): João de Deus de Abadiânia. Nesses últimos meses, diversos líderes religiosos têm sido denunciados como assediadores, abusadores de mulheres e/ou crianças e adolescentes. 

Já escrevemos aqui um artigo a respeito, quando se falou do médium de Curitiba Maury Rodrigues da Cruz. Depois foram monges budistas, sobre os quais se pediu uma posição mais clara e enérgica do Dalai Lama; depois foi o Prem Baba e, claro, os padres católicos de sempre. 

O que todos esses abusadores denunciados têm em comum? Todos são homens. Todos aparentemente abusaram de pessoas que estavam em situação de fragilidade emocional (seja por uma questão de doença física, psíquica ou por idade ainda imatura). E todos gozam de uma suposta superioridade moral, diante da qual a comunidade se curva reverente. Uma autoridade inquestionável, porque envolta nas dimensões do sagrado! 

Então, vamos ao primeiro item… o machismo estrutural, enraizado em nossa cultura e em todas as culturas humanas, há milênios. Nesse mesmo instante em que estou escrevendo esse artigo, milhares de mulheres no mundo estão sendo assediadas, estupradas e mortas. Milhares de crianças estão perdendo precocemente sua infância, abusadas por pais, padrastos, tios, avôs, parentes ou estranhos. Isso acontece no contexto da família, das instituições, das religiões. 

Em toda parte, os abutres abusam, se insinuam e acham que isso é natural, é seu direito, é o que os torna “homens”. Então, em primeiro lugar precisamos mudar a educação das crianças, afastando a ideia e a projeção de que o homem (masculino) tem que ser aquele macho predatório, sem sensibilidade e, portanto, sem compaixão de ninguém. 

Esse é o estofo do abusador e do estuprador. Em segundo lugar, precisamos falar claramente às meninas e aos meninos também: falar sobre os abusos, sobre os cuidados que devem ter consigo, com os alertas que devem estar sempre presentes, já que estão mergulhados num mundo de homens violentos. 

O desafio é falar e conscientizar, sem que percam a capacidade de confiar no amor e no ser humano, principalmente no ser humano masculino. Falar de maneira delicada para compreenderem que são donos dos próprios corpos. Entretanto a fala só fará sentido se desde pequenas as crianças sejam tratadas com afeto e respeito, com cuidado e atenção. 

Elas saberão se proteger na medida em que forem protegidas. Lembro-me da minha bisavó italiana, nascida no século XIX, que não cheguei a conhecer, mas cuja cultura de cuidado e atenção chegou até mim, através de minha avó e de minha mãe: essas mulheres estavam sempre de olho, não deixavam fechar as portas, não descuidavam de prestar atenção…não sei que experiências essa minha bisavó teve, para ser precavida e sempre atenta desse jeito. Mas com mães assim por perto, abusos não ocorrem. 

Em terceiro lugar – e esse é o tema mais importante aqui: precisamos finalmente tratar a espiritualidade de forma desierarquizada. Nem mestres, nem gurus, nem médiuns veneráveis, nem sacerdotes inatingíveis. Humanos somos todos. 

A espiritualidade deve ser horizontal, no campo da fraternidade. Verticalidade só com Deus, o supremo. Mas Deus está dentro de nós, de todos nós. Então chega de querer procurar salvadores, curadores, mestres, a quem nos entregamos cegamente. 

Qualquer tipo de relação religiosa ou espiritual que leve à submissão, à idolatria, à anulação da própria criticidade e razão, à humilhação, deve ser posta imediatamente sob suspeita. Mestres verdadeiros não querem submissão, nem obediência do outro. 

Querem servir, acolher, discretamente; ensinam sem espalhafato, através do exemplo e de conselhos que servem para todos. Jesus não aceitou o título de bom, Gandhi tinha horror quando o chamavam de Mahatma. Não aceitava devoção e submissão de ninguém. 

A espiritualidade verdadeira e saudável promove o ser humano ao melhor de si. Empodera-o para superar seus problemas, para desenvolver suas capacidades. Não aprisiona a um guru que o pode explorar financeiramente, psiquicamente e… sexualmente. O abusador, o falso profeta seduz com elogios (você é especial!), oferece milagres, ameaça, submete. 

Então, como tanta gente cai numa cilada dessas, quando é tão óbvio o engodo? Nunca tinha ido ver João de Deus, mas nada me caía bem: as pessoas (sobretudo mulheres) ajoelhadas diante dele, ele sentado numa espécie de trono, acima do povo, os retratos dele próprio na parede… quando um suposto líder espiritual não se envergonha de receber devoção e homenagens indébitas, já de imediato pode-se desconfiar dele. 

Além disso, o comércio em torno das atividades dele (a Veja publicou em 2013 um artigo alertando sobre os seus milhões), já o colocam de imediato sob a suspeita de charlatanismo. Considero que o mais problemático são os espíritas não terem suficiente avaliação crítica para não perceberem de antemão o clima de exploração das massas. Embora ele nunca tenha se declarado espírita e ter práticas diferentes das propostas pelo espiritismo, conheço muitos espíritas que lá foram! E gostaram. 

Quem estuda Kardec deveria saber que a mediunidade deve ser algo desprendido, discreto e jamais espetacular e que os médiuns são seres falíveis como qualquer um e não devem ser endeusados. Trabalhei durante mais de 20 anos num trabalho mediúnico de cura, com uma médium já falecida, minha querida amiga D. Addy Piedade, no Centro Espírita Pedro e Anita em São Paulo. Eu ficava na sustentação com outras pessoas. 

Foram dos momentos mais elevados espiritualmente que tive em minha vida. No entanto, ela fazia um trabalho anônimo, para pouca gente, devagar e sempre, sem nenhuma ostentação e sempre demonstrando carinho, respeito e acolhimento para as pessoas que vinham buscá-la. E vi muitas curas acontecerem, até com pessoas da minha família. 

A mediunidade deve ser, assim, distribuída democraticamente entre muita gente, que trabalha em pequenos círculos familiares e em centros discretos. A mediunidade espetáculo, onde multidões vão buscar cura, cartas, oráculos, dá sempre nisso. Nenhum médium tem essa potência de curar a todos, de atender com veracidade a todos. Se tivesse, seria um Jesus e mesmo Jesus não curava todo mundo e nem se punha como fonte distribuidora de milagres. Dizia: “vai, tua fé te salvou!” Essa é a verdadeira cura, aquela que nos remete ao nosso próprio poder e não aquela que manipula nosso desejo de salvação fácil. 

Cresçamos e deixemos de ser crianças espirituais, sempre pedintes de consolo, cura, cartas. Formemos muitos médiuns, trabalhemos em círculos pequenos e igualitários. Façamos uma espiritualidade de comunhão e escuta mútua e não de idolatria e submissão! E uma espiritualidade com muitas mulheres! Finalmente, quero deixar a minha solidariedade à inúmeras vítimas, incluindo a filha dele, que conta sua vida de extrema violência e nossa indignação em relação a esses homens, que como se já não bastasse o machismo nosso de cada dia, ainda fazem do campo da fé, um campo de violência sexual. 

Quero deixar registrado aqui também meu apoio à Sabrina Campos Bittencourt que, tendo sofrido ela mesma violência sexual de religiosos, está nesse ativismo necessário e urgente de denunciar e ajudar as mulheres a contarem suas dores. Coragem admirável de todas elas, porque é através da fala destemida e franca, que havemos de curar essas chagas da humanidade.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

REFLEXÃO - Como é que a sociedade chegou nesta situação tão desigual?


Em “A Gênese” Allan Kardec nos explica que 
"os males mais numerosos são aqueles que o homem criou para si, por seus próprios vícios, aqueles que provém de seu orgulho, de seu egoísmo, de sua ambição, de sua cobiça, de seus excessos em todas as coisas; aí está a causa das guerras e das calamidades que elas geram, das dissensões, das injustiças, da opressão do fraco pelo mais forte, enfim, da maior parte das moléstias". 
(A Gênese. Cap. III. n. 06).

ATUALIDADE - A renovação do movimento espírita virá pela juventude...Ou não virá


Por Franklin Félix na Carta Capital

"Qual seria o caráter do ser humano que praticasse 
a justiça em toda a sua pureza? 
— O do verdadeiro justo, a exemplo de Jesus; porque praticaria 
também o amor ao próximo e a caridade, sem os 
quais não há a verdadeira justiça." 
 (Livro dos Espíritos, Allan Kardec) 

Por que, diante de tantas violações – direitos humanos, trabalhistas, sociais, previdenciárias – as federativas não descem do muro e se posicionam radicalmente contra, assim como fizeram CNBB, CONIC, Fórum Ecumênico ACT Brasil e a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito? 

Como enfrentar a onda conservadora e reacionária no movimento espírita e que tem expulsado aqueles que não pensam igual ou que se opõem aos dirigentes, que agem como verdadeiros donos das casas espíritas? 

Como nós, espíritas progressistas, podemos interferir para que o Movimento Espírita Brasileiro (MEB), assim como acontece com outras comunidades de fé, não se torne uma junta formada apenas por brancos, idosos e heterossexuais? 

Atravessamos um período difícil para os sonhadores, marcado por forte crise política, social, econômica e espiritual, com a ascensão de um governo autoritário, conservador, violento e antidemocrático. Temos assistido, espantados, o crescimento de representantes espíritas que se alinham com esse discurso. Esse mesmo candidato, que simboliza a antítese do pensamento cristão, justamente pelas ideias que defende, foi o mais votado entre os espíritas, segundo pesquisa eleitoral realizada pelo Datafolha. 

Cresci no movimento espírita – que nada tem a ver com o espiritismo, pois o primeiro é a interpretação que cada um faz das obras de Kardec - e hoje meu vinculo com esse movimento é bem frágil, quase inexistente, exatamente pela postura que tem adotado. 

Logo após o resultado do primeiro turno e prevendo a possível vitória de um candidato (o que, infelizmente, se consumou) que defende publicamente o fuzilamento de seus opositores e o banimento do que ele chama de "vermelhos" alguns amigos que fizeram parte dos grupos de juventudes comigo e que acreditam num espiritismo libertário, amoroso, dialógico e radicalmente contrário a violência e ao ódio, manifestaram preocupação. 

Alguns desses amigos não frequentam mais centros espíritas justamente por conta do que mencionei no inicio deste artigo. Paralelamente a isto, um outro grupo de jovens, estes ainda atuantes nas mocidades espíritas, também se opuseram ao candidato do ódio. 

Nossas trocas, entre os dois grupos, têm se dado de maneira virtual e um encontro presencial está previsto para o próximo sábado. Além disso, muitos desses jovens assinaram o "Manifesto de espíritas progressistas por justiça, paz e democracia". 

Pouco antes de seu desencarne, tive a alegria de ter uma conversa com uma senhora, espírita e militante de esquerda. Tomo a liberdade de reproduzir parte do diálogo, a seguir: 

"Meu filho, embora hoje eu já esteja velha e andando com dificuldades, minha memória está melhor que nunca (risos). Lembro muito bem daquele dia. Quando o jornal anunciou a derrubada do João Goulart na televisão, eu estava saindo do banho, enrolada na toalha, corremos para frente da televisão, abracei minha mãe e choramos, porque sabíamos que seria um período de trevas, os espíritos, mentores da casa, já tinham nos avisado. [...] Essas coisas a gente não esquece! Eu e minha mãe escondíamos nossos amigos que mexiam com política, com movimento estudantil, com o 'partidão' (comunista), dentro da câmara de passe..." 

Ela continuou: "Ou a gente fazia isso ou eles iam morrer de tanto apanhar da polícia. Nós éramos de família boa, família conhecida e por mais que a polícia desconfiasse, não vinham mexer com a gente. Acho que tinham era medo dos espíritos (risos). Naquela época, ainda tinha muito preconceito com quem era espírita. Quando a repressão começou a ficar mais forte, nós ficamos com muito medo de sermos descobertas. Um dia, estava bem frio e chovia muito, um amigo que tinha estudado comigo chegou correndo no centro espírita. Ele estava vestido apenas com um short, porque, quando a polícia chegou na casa dele, ele pulou o muro e não teve tempo de se vestir. Enquanto eu procurava uma roupa para aquecê-lo, minha mãe preparava um sopão, com tudo o que tinha direito (choro). Ele estava bem magro, sabe? Mas quando ele correu, fugindo, alguém viu ele entrar no centro e deve ter falado para a polícia. Não demorou trinta minutos, a polícia bateu na porta. Rapidamente, nós o escondemos debaixo da mesa do salão. Abrimos o evangelho e começamos a rezar, como se só estivesse nós duas encarnadas no salão (risos). Meus dentes batiam uns nos outros e eu não sabia se de frio ou de medo. A polícia entrou e continuamos sentadas, orando, pedindo a Deus e a Jesus não nos desamparasse (choro). Os policiais perguntaram se tínhamos visto um homem e deu as características do meu amigo. Nós negamos. Minha mãe, muito tranquilamente, perguntou ao policial se ele era médium (risos) e que ele poderia ter visto um espírito (mais risos), que era comum, quando não se "protegia", ver desafetos já desencarnados (risos). Os policiais foram embora, terminamos a oração, agradecendo a Deus e Jesus por ter nos livrado de mais uma provação, depois comemos toda a sopa." 

Relatos como esse nos apresentam uma contraposição em relação ao papel de alguns espíritas no golpe de 1964. Embora determinados representantes do espiritismo tenham apoiado – ou, no mínimo, se calado – diante das violações cometidas pelos militares durante todo o regime militar, outras, como essa senhora, tiveram um papel fundamental na defesa e proteção de ativistas políticos. 

No livro "1964: O golpe que derrubou um presidente", dos historiadores Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes, fica evidente que a "Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade", ou a "Marcha da Família", foi um protesto promovido por setores das classes média e alta pedindo a derrubada do governo João Goulart. Neste "protesto" não marcharam apenas católicos e evangélicos, também espíritas participaram ativamente da marcha golpista. 

O protesto começou no centro de São Paulo, em 19 de março de 1964, seis dias após o comício de João Goulart na Central do Brasil, Rio de Janeiro, em que Jango reafirmou sua vocação nacionalista, mas a direcionou em favor de forças radicais como as da CGT (Central Geral de Trabalhadores, a "CUT" da época), das Ligas Camponesas (equivalente ao MST). 


Diante do atual cenário, muito parecido com o de 1964, ou renovamos o movimento espírita, criando espaços de diálogo, saindo dos centros e indo para as ruas, onde há problemas reais, ou corremos o risco de nos tornamos mais uma seita religiosa, contaminada de ideias preconcebidas e retrógradas. 

Defendo que essa renovação venha por meio da juventude, que não deve frequentar centro espírita apenas para fazer decoração para eventos ou para fazer teatro nos fins de semana. Ou a renovação do movimento espírita virá pela juventude ou não virá.

REUNIÕES PÚBLICAS DE NOVEMBRO - AGENDA


Eleições 2018: o que sobrou para os espíritas?


Por  Ana Cláudia Laurindo
Publicado em  29 de outubro de 2018 no Reporter Nordeste

Os últimos meses foram ricos em materiais de estudo, permitindo análises e como consequência deste empenho, posicionamentos. Como espírita, obviamente foquei nesta experiência de religiosidade e as revelações que o momento trazia, embora também tenha dissertado sobre movimentos evangélicos e católicos. Motivo? Busca de elo entre as concepções cristãs e os cristãos. Pois foi impactante ver cristãos imitando armas dentro dos seus templos e declarando voto a uma personalidade de representação beligerante, com pregações neofascistas de perseguição e extermínio de minorias e absoluta intolerância ao contraditório. 

Conheci os cristãos identificados com a tortura, acreditando que as vítimas são culpadas. Vi de perto e por escrito a ignorância em temas humanitários, da parte de palestrantes espíritas famosos. Li e reli seus palavrórios desenhados em série:” PT corrupto” (criador da corrupção brasileira, por certo – e quando for destituído o Brasil se tornará limpo e cheiroso), “quadrilha que acabou com o Brasil”, “erotização de crianças”, “ideologia de gênero”, “marxismo cultural”, em uma linha de repetição de frases de efeito espalhadas por whatsapp, que envergonharão os incautos que as repassaram para semelhantes, formando a maior rede de distribuição de notícias falsas com fins eleitoreiros que a história já registrou. 

Tantos me agrediram verbalmente pelo simples fato de questionar as bases de suas adesões ao homem de pior teor discursivo que este século mostrou ao Brasil. Boca plena de palavrões, frases desrespeitosas, desumanas e ameaças assumidas publicamente não foram motivos para deixar o cristão nem mesmo em alerta, quanto aos interesses deste homem no poder? O cristão fechou os olhos para o incentivo da caça aos “viados”? A desconstrução intencional da humanidade do “vermelho”? E a caricatura da mulher “feminista”? 

O cristão não viu a antecâmara da morte sendo montada para estes irmãos brasileiros? E de repente, todos estavam especialistas em política, odiando Lula e o PT. Espíritas exalando ódio! Pelas frases e pelas escolhas. Eu vi, eu ouvi, e senti a vibração da frase daquela que antes me beijava e abraçava, porque me julgava “igual”, e ao perceber meus posicionamentos políticos humanitários me gritou: “víbora comunista”! Sim, as eleições passaram. 

E tudo vai voltar ao normal. Não! Não vai voltar ao normal para os nossos irmãos homossexuais que estão com pavor do macho escroto que mata aos gritos de “Viva Bolsonaro”! Não vai voltar ao normal para os intelectuais e ativistas humanitários, ecológicos; para os artistas que exibiram a opinião libertária e derramaram apoio aos menores, para as mães temerosas, dos milhares de petistas brasileiros, que se tornaram alvo para o tiro estimulado por Bolsonaro, o presidente da fraquejada brasileira! 

E também não vai ser a mesma coisa para mim, que não consigo mais acreditar nas cúpulas de palestrantes espíritas, no dirigentes de casas, nos passistas, nos frequentadores, que elegeram a morte como solução para aquilo que os desagrada; e esse desagrado é humano, filho de alguém, amor de alguém, porque todos somos alguém no mundo! Estou me libertando de crer no que machuca a sensibilidade de quem ama além dos padrões! Ou o Movimento Espírita cresce, ou permanece no limbo, lambendo o ego dos famosos, e esquecendo que Jesus beijou os pés dos menores. 

Estou me alforriando da necessidade de pertença, para pertencer ao necessário instante de viver para o amor. Entre meus irmãos banidos, ameaçados de prisão e exílio, eu vejo o Cristo. Porque as casas de poderes nunca aceitaram de fato seu amor libertário, e de todas as maneiras buscam enquadrá-lo. Jesus não se importa em ser chamado de “travesti”, nem de caminhar com aqueles que transitam entre o corpo e a identidade, porque seu amor enxerga a luz que existe em cada vivente. Jesus nunca contratou advogados para defender seu túmulo, mas em nome dessa defesa milhares foram assassinados! 

Agora em nome de Jesus querem matar outra vez! E com a permissão dos cristãos! Porque nunca pararam de crucificar Jesus? Porque não querem dividir, nem partilhar, nem ser iguais! Muito menos aprender que os últimos serão os primeiros, os humilhados serão exaltados e aquele que quiser ser o maior no Reino de Deus, seja aquele que serve! 

Após as eleições não consigo mais seguir o rebanho que se diz cristão, e nem o catolicismo, o evangelismo ou o espiritismo, se tornaram referências de luz nestes dias de escuridão. Que as páginas do amanhã nos esclareçam, hoje a fumaça cinzenta que cobre o Brasil cheira a enxofre e pólvora. E isso não pode ser o fim. Há de ter recomeço.

sábado, 4 de agosto de 2018

PROJETO VAGA-LUME - SEMINÁRIO ESPÍRITA 2018 EM TUPARETAMA


O Seminário Espírita "O PROBLEMA DO SER, DO DESTINO E DA DOR" do Projeto Vaga-Lume aconteceu na cidade de Tuparetama na manhã de 22 de julho, domingo. O evento sediado pelo CEMIL- Centro Espírita Missionários da Luz foi realizado na Escola Ernesto de Souza Leite. 

Casas espíritas das cidades de Arcoverde, Brejinho, Buíque, Itapetim, São José do Egito, Sertânia e de Monteiro-PB participaram do Seminário que contou com palestra ministrada pelo orador espírita Francisco de Assis (Recife) e Grupos de Discussões sobre o Projeto Vaga-Lume, A construção de agenda coletiva das casas espíritas da região e as potencialidades e desafios dos jovens na Casa Espírita. Houve também momentos culturais, homenagens e confraternização das casas.