terça-feira, 6 de novembro de 2018

Eleições 2018: o que sobrou para os espíritas?


Por  Ana Cláudia Laurindo
Publicado em  29 de outubro de 2018 no Reporter Nordeste

Os últimos meses foram ricos em materiais de estudo, permitindo análises e como consequência deste empenho, posicionamentos. Como espírita, obviamente foquei nesta experiência de religiosidade e as revelações que o momento trazia, embora também tenha dissertado sobre movimentos evangélicos e católicos. Motivo? Busca de elo entre as concepções cristãs e os cristãos. Pois foi impactante ver cristãos imitando armas dentro dos seus templos e declarando voto a uma personalidade de representação beligerante, com pregações neofascistas de perseguição e extermínio de minorias e absoluta intolerância ao contraditório. 

Conheci os cristãos identificados com a tortura, acreditando que as vítimas são culpadas. Vi de perto e por escrito a ignorância em temas humanitários, da parte de palestrantes espíritas famosos. Li e reli seus palavrórios desenhados em série:” PT corrupto” (criador da corrupção brasileira, por certo – e quando for destituído o Brasil se tornará limpo e cheiroso), “quadrilha que acabou com o Brasil”, “erotização de crianças”, “ideologia de gênero”, “marxismo cultural”, em uma linha de repetição de frases de efeito espalhadas por whatsapp, que envergonharão os incautos que as repassaram para semelhantes, formando a maior rede de distribuição de notícias falsas com fins eleitoreiros que a história já registrou. 

Tantos me agrediram verbalmente pelo simples fato de questionar as bases de suas adesões ao homem de pior teor discursivo que este século mostrou ao Brasil. Boca plena de palavrões, frases desrespeitosas, desumanas e ameaças assumidas publicamente não foram motivos para deixar o cristão nem mesmo em alerta, quanto aos interesses deste homem no poder? O cristão fechou os olhos para o incentivo da caça aos “viados”? A desconstrução intencional da humanidade do “vermelho”? E a caricatura da mulher “feminista”? 

O cristão não viu a antecâmara da morte sendo montada para estes irmãos brasileiros? E de repente, todos estavam especialistas em política, odiando Lula e o PT. Espíritas exalando ódio! Pelas frases e pelas escolhas. Eu vi, eu ouvi, e senti a vibração da frase daquela que antes me beijava e abraçava, porque me julgava “igual”, e ao perceber meus posicionamentos políticos humanitários me gritou: “víbora comunista”! Sim, as eleições passaram. 

E tudo vai voltar ao normal. Não! Não vai voltar ao normal para os nossos irmãos homossexuais que estão com pavor do macho escroto que mata aos gritos de “Viva Bolsonaro”! Não vai voltar ao normal para os intelectuais e ativistas humanitários, ecológicos; para os artistas que exibiram a opinião libertária e derramaram apoio aos menores, para as mães temerosas, dos milhares de petistas brasileiros, que se tornaram alvo para o tiro estimulado por Bolsonaro, o presidente da fraquejada brasileira! 

E também não vai ser a mesma coisa para mim, que não consigo mais acreditar nas cúpulas de palestrantes espíritas, no dirigentes de casas, nos passistas, nos frequentadores, que elegeram a morte como solução para aquilo que os desagrada; e esse desagrado é humano, filho de alguém, amor de alguém, porque todos somos alguém no mundo! Estou me libertando de crer no que machuca a sensibilidade de quem ama além dos padrões! Ou o Movimento Espírita cresce, ou permanece no limbo, lambendo o ego dos famosos, e esquecendo que Jesus beijou os pés dos menores. 

Estou me alforriando da necessidade de pertença, para pertencer ao necessário instante de viver para o amor. Entre meus irmãos banidos, ameaçados de prisão e exílio, eu vejo o Cristo. Porque as casas de poderes nunca aceitaram de fato seu amor libertário, e de todas as maneiras buscam enquadrá-lo. Jesus não se importa em ser chamado de “travesti”, nem de caminhar com aqueles que transitam entre o corpo e a identidade, porque seu amor enxerga a luz que existe em cada vivente. Jesus nunca contratou advogados para defender seu túmulo, mas em nome dessa defesa milhares foram assassinados! 

Agora em nome de Jesus querem matar outra vez! E com a permissão dos cristãos! Porque nunca pararam de crucificar Jesus? Porque não querem dividir, nem partilhar, nem ser iguais! Muito menos aprender que os últimos serão os primeiros, os humilhados serão exaltados e aquele que quiser ser o maior no Reino de Deus, seja aquele que serve! 

Após as eleições não consigo mais seguir o rebanho que se diz cristão, e nem o catolicismo, o evangelismo ou o espiritismo, se tornaram referências de luz nestes dias de escuridão. Que as páginas do amanhã nos esclareçam, hoje a fumaça cinzenta que cobre o Brasil cheira a enxofre e pólvora. E isso não pode ser o fim. Há de ter recomeço.