sexta-feira, 29 de março de 2019
Espírita não celebra Ditadura Militar
Ana Claudia Laurindo | Reporter Nordeste
Estudante Luis Eduardo, um dos milhares de jovens assassinados pela Ditadura |
Meu blog é um diário online, no qual jamais faltarão registros das vivências e experiências na imensa seara espírita, para partilhar com aqueles e aquelas que demonstrarem interesse neste tema tão rico, envolvente e desafiador.
Desde o despontar da campanha eleitoral com vista ao pleito de 2018, fui tomada de susto quando testemunhei espíritas de “carreira” demonstrando apoio público àquele que mesmo para principiantes já anunciava ser inapto ao cargo de presidente, pelas vilezas que estimulava nos seres mais necessitados de equilíbrio na conduta pessoal e social.
Jamais arredei pé nos posicionamentos políticos progressistas, porque acredito que a evolução passa pelo abandono consciencial e atitudinal daquilo que reconhecemos como artimanha da treva no meio humano, ou seja, o impulsionamento da miséria; seja material, econômica, cultural ou espiritual.
Em postura de resistência volto a perguntar o que farão os espíritas renitentes no apoio a Bolsonaro, neste 31 de março de 2019?
Estarão preparando belas palestras em comemoração ao início da Ditadura Militar?
Que dolorosas páginas, para a contemplação dos mentores!
Resgato aqui para jamais esquecer, que tive a oportunidade de dialogar com inúmeros desencarnados que na experiência pregressa foram vitimados pelas cruéis práticas de tortura do governo militar brasileiro, à época.
Se eu pudesse desenhar aqui o que eles me relatavam, não iria além de um rabisco latente de lágrimas; as dores se desdobravam em discursos sentidos, de quem não compreendia o uso da força assentado em tanta covardia, contra idealistas e sonhadores.
Muitos deles pediam para avisar aos seus parentes o que lhes tinha acontecido, tomados sempre de muita emoção e dor.
Contudo, já naqueles dias, o dirigente tratava estas comunicações com muito descrédito e ocultou as psicografias em alguma pasta, proibindo que se falasse sobre elas por questões de ética.
Hoje eu duvido se era mesmo por causa disso, pois o mesmo se tornou um dos cabo eleitorais do eleito que sempre defendeu a ditadura e a tortura.
Mas não é mais permitido que se esconda embaixo do tapete tais adesões, que vinculam assassinos cruéis e poder político no Brasil.
Se a democracia que sempre defendemos, permite a livre expressão das escolhas políticas, a coerência cristã, da qual não abrimos mão sentencia a reflexões profundas, que precisamos todos nós, pessoas envolvidas com espiritualismos no Brasil, fazer e refazer sempre que necessário se torne.
Espírita que comemorar a Ditadura Militar sanguinária precisa ser questionado na base da coerência de sua fé.
Se for um dirigente, com mais ênfase precisa ser convidado a refletir sobre a irradiação umbralina desta influência sobre as mentes que lhe cercam o entorno visível e invisível, na dupla responsabilidade que todos nós assumimos ao reencarnarmos com a missão de colaborar para a abundância da vida nos campos do Senhor.
Este pequeno relato também transmite o pesar por estarmos vivendo estes dias cobertos de insânia, mas agradecemos ao bondoso Criador por esta hora de contundente despertar, pois que não é novidade nosso atraso espiritual pontilhado sobre mais erros políticos do que sexuais, como não gostamos de admitir.
Desse modo, ao reaprendermos a fazer políticas humanitárias no templo do egoísmo, que continua sendo a maior chaga da humanidade, logramos dar passos contidos e acanhados, mas reais, na senda da evolução.
Espírita cristão não celebra tortura e morte, jamais.
domingo, 10 de março de 2019
Artigo | A MULHER E O ESPIRITISMO
por Dora Incontri
Todas as tradições espirituais, em minha leitura de estudiosa de longa data de muitas delas, tocam em verdades atemporais, indicam caminhos válidos para a humanidade, quando falam de compaixão, solidariedade, justiça e outros valores, que gostaríamos de ver realizados nesse mundo.
Mas também todas as tradições espirituais são tecidas por seres humanos, em seus contextos históricos, embora até possamos considerar que foram inspiradas por Deus, anjos, ancestrais, espíritos… E por conta disso, todas elas estão sujeitas a uma leitura crítica, contextualizada.
Assim, podemos aceitar e nos beneficiar do que é transcendente, válido para sempre para todos os seres humanos e podemos rejeitar o que já não se encaixa em nossos tempos e que muitas vezes ferem aqueles princípios universais.
Se formos analisar a Bíblia ou o Alcorão, nessa perspectiva, podemos nos libertar desse fundamentalismo, que nos finca no passado e colocam entraves aos necessários avanços sociais. Mas também podemos aproveitar as belezas de muitos ensinos, que edificam e consolam.
No espiritismo, temos a particularidade que Kardec não considerava suas obras como fontes sagradas e inquestionáveis. Ele as propunha como o resultado de uma pesquisa e de um diálogo igualitário com os espíritos, com quem se comunicava. E avisou explicitamente que o espiritismo poderia ser ajustado e modificado segundo a ciência ou as ideias que viessem avançar no tempo.
Isso posto, examino no dia de hoje – dia internacional da mulher – como se situa a questão do feminino e do feminismo no espiritismo de Kardec.
Na apreensão da filosofia espírita, em seus princípios fundamentais, há uma ideia clara, que salva o espiritismo de qualquer retrocesso de desigualdade: somos espíritos – e é no espírito que se radica o ser, a inteligência, a memória, a identidade, o sentimento, sendo o corpo apenas uma veste temporária – e como espíritos podemos reencarnar como homens, como mulheres, como brancos, negros, amarelos, e em qualquer classe social e em qualquer nação. Ou seja, somos essencialmente iguais.
Mas o que diz especificamente o espiritismo a respeito da condição feminina no mundo?
Quando Kardec começou a pesquisa dos fenômenos mediúnicos, em meados do século XIX, justamente se iniciava o movimento de emancipação da mulher e essa questão é discutida por ele. Primeiro, como Rivail, ainda entre as décadas de 1830 e 1840, ele se casou com Amélie Boudet, uma mulher mais velha do que ele nove anos, o que era atípico, e uma mulher que era intelectualizada, havia escrito um livro – que é por muitos mencionado, mas até agora nenhum pesquisador localizou – e participou como parceira de seus projetos de educação.
Ainda nesse período, os dois militam pela educação da mulher.
Depois, durante sua escrita das obras espíritas, a ideia da emancipação feminina aparece com frequência: na Revista Espírita, que ele dirigiu por 12 anos, ele defende o voto feminino e a possibilidade das mulheres se formarem em Medicina, por exemplo.
No Livro dos Espíritos, está escrito que “a emancipação da mulher segue o processo da civilização, sua escravização marcha com a barbárie. Os sexos, aliás, só existem na organização física, pois os Espíritos podem tomar um e outro, não havendo diferenças entre eles a esse respeito. Por conseguinte, devem gozar dos mesmos direitos.” Mas nesse mesmo trecho bastante avançado para a época (questão 822a) há o reflexo ainda do contexto do século, onde se fala de “diferentes funções” e que “a mulher deve se ocupar do interior e o homem do exterior.”
Por outro lado, há pesquisadores, como Ann Braud, com sua obra ainda sem tradução em português Radical Spirits (Espíritos radicais), que consideram todo o movimento espírita do século XIX como uma forma de emancipação feminina, já que as mulheres que não tinham voz na sociedade, passavam a tê-la através da mediunidade. E os médiuns que trabalharam com Kardec eram predominantemente mulheres.
Já no Brasil, país onde o espiritismo criou raízes e disseminou-se, temos no movimento institucionalizado o predomínio de cargos ocupados por homens, de preferência idosos e conservadores. Houve, porém, à margem (como de costume) mulheres que se destacaram por sua participação nos movimentos sociais e por suas ideias libertárias.
Cito duas aqui: Anália Franco (1853-1919) e Maria Lacerda de Moura (1887-1945). A primeira profissionalizou mulheres, acolheu mães solteiras (que eram párias sociais no virar do século XIX para XX) e trabalhou pela educação igualitária entre os gêneros. Maria Lacerda foi uma anarquista que militou por ideias pacifistas, contra o fascismo, colocando em prática ideias libertárias na educação das crianças. Ambas eram jornalistas, escritoras, educadoras.
Então, nesse dia da mulher, é bom lembrarmos que em todas as tradições espirituais, somos de alguma forma escamoteadas, silenciadas – às vezes com discursos que pretendem justificar uma suposta inferioridade ou um campo limitado de nossa ação no mundo – mas sempre existiram e existem aquelas mulheres que resistem, se destacam, se lançam à luta e deixam suas marcas.
Lutemos todos e todas para que isso não seja mais uma exceção no campo da espiritualidade e em todos os outros campos de ação humana.
sábado, 2 de março de 2019
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